sábado, 27 de novembro de 2010

Capítulo 15

O exilado

 A chuva lavava sua armadura antes coberta de lama, a água escorria pelas runas e pelo metal frio, carregava consigo a terra e o sangue. A noite era fria, a chuva estava gelada, embora estivesse cansado e com fome ele não queria parar, queria ir o mais longe possível, ir para onde ninguém pudesse encontrá-lo, sumir.

Peco via o templário andar cabisbaixo, seguia ele de perto, no entanto mantinha certa distância. Estava triste pela Maeros e ainda mais por Thanatos, em sua concepção o templário não tinha feito nada de errado, mas se ele queria ir embora, seguiria ele até o fim.
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— É melhor levarmos ela pra Glast Heim, eu consegui curar as feridas mais graves, mas gastei muito poder com o Magnus Exorcismus, na abadia ela poderá ser completamente curada. - Diz Arthemis á Sísifo.

Mesmo depois de passado algum tempo ninguém tinha sentido falta do líder do grupo.

Érebo caminha até Mayara com um par de Chifres Majestosos na cabeça.

— Esses chifres têm valor religioso para muitas religiões sabia? – a monja falava sem nem ao menos abrir os olhos, estava meditando até Érebo chegar perto dela.

— É eu sei, também represente força e virilidade. - Responde o Ferreiro

— Força que você demonstrou ao enfrentar o Bafomé.. Não sabia que era tão forte... - Diz a monja impressionada com o poder do rapaz.

Érebo fica vermelho com o comentário, e ficaria mais ainda se ela estivesse olhando para ele, mas ela continuava concentrada e de olhos fechados.

— Sabe como é... Pessoas vemos, força não conhecemos. - Érebo esboça uma risada meio forçada, e por algum motivo Mayara também ri com ele.
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Thanatos estava andando há dias; Não comia, não bebia, não dormia, não se agüentava em pé... Mas continuava andando, por vezes fraquejava e quase caía, mas Peco já estava ao seu lado e sempre o ajudava como podia. Por ser um animal selvagem e bem robusto, era normal para Peco caminhar por dias a fio, os Grand Pecos deveriam suportar correr por dias seguidos para fugir dos predadores, também deveriam ser resistentes para poder carregar os templários nas costas.

Mais algumas horas de caminhada e eles sentem um sopro vindo ao longe, era a brisa do mar... Thanatos corre em direção à brisa oceânica, aos poucos o chão de terra vermelha vai sendo trocado por uma areia fina e branca. Peco corre junto com ele, nunca tinha pisado em uma praia, muito menos visto o mar, mas por instinto sabia que estava perto. Thanatos para de correr, suas botas de metal afundam lentamente na areia molhada enchendo-se de água salgada, ele cai ajoelhado diante da imensidão do mar azul esverdeado; caranguejos e estrelas-do-mar andavam livremente, ignorando o templário.

— Peco... Não tenho para onde fugir... – Thanatos estava tonto, sem forças para continuar ele desaba enterrando o rosto na areia encharcada da praia.
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— Vamos voltar para Prontera, talvez Thanatos esteja nos esperando lá, pode ter ido buscar reforço, não sei... – Sísifo tentava convencer todos a voltar para a cidade.

— De uma forma ou de outra teremos que voltar, se continuarmos aqui é capaz de Maeros não suportar os ferimentos... – Arthemis falava com certo pesar na voz, não queria deixar o templário para trás, mas sabia que a situação estava mais grave com a mercenária. Sabia que o templário era forte o suficiente para se proteger sozinho, no fundo ela achava que Thanatos era mais forte sozinho do que em grupo.

— Não podemos deixar o Thanatos pra trás, ele não deixaria ninguém para trás se estivesse aqui, tenho certeza disso! – Érebo conhecia o amigo muito bem, sabia que do jeito que era não deixaria ninguém morrer ou ficar pra trás.

— Mas é preciso... Pelo bem dela. Ele vai ficar bem, vamos nos encontrar com ele em Prontera, eu garanto! - Mayara sorri para Érebo, o ferreiro sente o coração bater mais forte, esquece por um momento do amigo e apenas acena positivamente com a cabeça.

— Para Prontera então! – Sísifo se vira e caminha na frente, não queria que os outros vissem em seu rosto o sorriso que esboçava, finalmente sentia o gosto da vingança.
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Thanatos acordou como forte sol no rosto, escutava o barulho do mar, o quebrar das ondas e os respingos na pele, abriu os olhos lentamente, ainda estava fraco pela fome e pela sede. Levantou-se meio zonzo de fome e notou que do seu lado havia várias frutas, sem pensar duas vezes ele as devorou o mais rápido que pôde.

— Peco... - Olhou para os lados em busca do amigo, mas tudo o que via era água, areia e floresta ao fundo. Ficou de pé, a armadura estava mais pesada que nunca, devia estar cheia de areia. Andou um pouco sem saber para onde ir, apenas caminhando sem rumo, seguindo o contorno da praia.

Caminhava cabisbaixo olhando para o chão arenoso lembrando do fatídico dia; O rosto de Maeros deitada no chão, imóvel, as gotas de chuva caindo sobre ela, a água que descia pelo seu rosto, a expressão de dor que ainda esboçava... Ele pára, fecha os olhos e coloca a mão no peito, como se estivesse sentindo dor ali. Mais uma vez ele olha para os lados em busca de algo ou alguém, talvez tivessem vindo procurá-lo, talvez nada daquilo tivesse acontecido, rezava para que tudo fosse um sonho causado pela proximidade dela naquela noite... Não queria acreditar, mas era verdade. Cai ajoelhado no chão apoiando as mãos no solo, o sentimento de culpa corria seu peito por dentro. Ele observa o chão e depois de um certo tempo ele nota, havia uma pegada bem onde estava, os sentimentos haviam cegado seus olhos para o mundo, mas agora ele via, eram pegadas do Peco.

Seguiu o rastro do amigo se concentrando totalmente naquilo para não voltar a fraquejar e lembrar tudo denovo, caminhou por algumas dezenas de metros seguindo o contorno da praia até avistar um pequeno rio, correu desesperadamente em direção ao riacho, havia saciado a fome, mas não a sede. Aos tropeços ele chega e se depara com Peco, estava parado, como se estivesse esperando.

— Peco... Você me guiou até aqui? - Pergunta Thanatos.

Peco continua parado, responderia se pudesse. Thanatos se ajoelha na beira do rio e sacia sua sede.

— Peco! Muito obrigado! Acho que você é o único que ainda lembra de mim... - Diz Thanatos enquanto bebia a água do rio.

O escudeiro de Thanatos se sentia mal pelo seu amigo, sabia que ele estava sofrendo, mas não podia fazer muita coisa a não ser ajudá-lo no que podia, trazendo comida e usando seu instinto natural de sobrevivência.

O templário se senta na beira do riacho e olha para a paisagem paradisíaca.

— Peco, Meu amigo... Não vou mais voltar... - Diz Thanatos apreciando a paisagem.

O animal fica surpreso, se levanta e senta do lado de Thanatos, e ficam ambos olhando para o infinito azul.

— Não vou aguentar pisar o chão que ela pisou, ver as pessoas que me lembram ela.. Érebo, Mayara, Hypnos, Arthemis... Falhei com todos. - Diz Thanatos tentando não chorar.

Os dois ficam sentados ali por várias horas... Enquanto Thanatos pensa no que fazer.

— Vamos para oeste, se seguirmos para leste vamos ir em Payon. Para sul, Bom, impossível não é? A não ser que você saiba nadar. Para o norte é Prontera, só resta o oeste inexplorado... Você não precisa vir Peco, está livre, pode voltar para o seu bando, achar uma casa nova, fazer o que achar melhor. - Depois de dizer isso Thanatos tenta retirar os arreios de Peco, mas antes que pudesse tirar a armadura dele, ele se afasta.

— O que foi? - Pergunta o templário surpreso com a reação do amigo.

Peco se aproxima denovo e esfrega o bico no seu flanco, quase o derrubando pela força.

— Acho que isso quer dizer que você não vai me abandonar, não é? - Thanatos sorri.

O animal, sem poder responder nada apenas senta do lado do templário e continua observando a imensidão do mar. Thanatos passa o braço por volta do pescoço dele e o afaga levemente.

— Vamos ser só nós dois e os deuses, eu te protejo e você me protege, tudo bem?

Novamente Peco esfrega o bico no templário, dessa vez o derrubando no chão.

— Bom... Acho melhor eu dar um jeito de arrumar essa armadura primeiro. Não vou muito longe com ela cheia de areia.
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— Você disse que o Thanatos estaria aqui, ele não está, então vamos voltar para buscá-lo! – Érebo estava ficando nervoso com Sísifo.

— Acalme-se Érebo! Vou falar com o rapaz da arena, talvez ele tenha visto o Thanatos, pode ser que ele tenha voltado para Glast Heim - Sísifo, sem mais delongas, foi até a arena.

— Thanatos é forte, ele está bem, ele derrotou o Sísifo, o bafomé, um grifo, o que mais você quer de provas? Ele até passou no teste de cavaleiro em menos de meia hora... Confie nele Érebo – Mayara tentava acalmar o ferreiro, e conseguia.

Sísifo entra na arena para falar com o rapaz enquanto os outros ficam esperando ele do lado de fora.

— Sísifo, O maior arqueiro do mundo! O que você faz por aqui? – Pergunta o rapaz com uma prancheta na mão.

— Só queria saber se você viu o Thanatos passar por aqui, viu? - Diz Sísifo.

— Bom, desde que ele saiu daqui vitorioso ele não voltou mais... Perguntei pelas ruas por ele, mas ninguém o viu, acho que não voltou ainda. Eu nem tive tempo de entregar o prêmio dele. - Responde.

— Prêmio? – Sísifo se anima.

— Sim, Cem Mil zenys, o dinheiro da aposta!

— Bom, eu posso entregar para ele, a gente está no mesmo grupo agora.

— Como eu posso saber que você vai entregar a ele? Nem mesmo sei se você está mesmo no grupo dele... - O rapaz da arena desconfia.

— É sério! Estou até com o grupo dele... Olha lá! – Sísifo aparece na porta e faz um sinal de positivo para Érebo e os outros, o grupo sem entender nada acena para ele.

— Bom, Eu me lembro do Ferreiro e da Mercenária. Se eles estão com você, acho que está com Thanatos então. – O rapaz entrega uma moeda de ouro valiosa para Sísifo, ainda não muito confiante. — Esta moeda em o valor de cem mil zenys. - Diz o Homem

— Não se preocupe! Assim que eu encontrá-lo eu entrego. – Sísifo coloca a moeda no bolso, coloca a mão no ombro do rapaz e sorri amavelmente – Até mais ver.

Sísifo caminha calmamente até o grupo.

— E então? - Érebo esperava impaciente com o machado nas costas e os chifres majestosos na cabeça, várias pessoas passavam e olhavam admiradas para ele e sua pose de vitorioso.

— É como eu disse... Ele foi para Glast Heim, o rapaz mesmo me disse que viu ele passando por aqui, eu até acenei pra vocês para dizer que estava tudo bem. - Mais uma vez Sísifo sorri falsamente para todos.

— Vamos à capital o quanto antes então, Maeros precisa de tratamento... O carrinho improvisado de Érebo não deve ser nada confortável também. - Diz Arthemis.

Todos olharam para o carrinho que o Ferreiro puxava, tinha transformado ele em uma cama improvisada, Maeros estava deitada nele de um certo mau jeito por causa do pequeno espaço.

— Arthemis tem razão... Para Glast Heim! – Érebo começava a agir como se fosse o líder do grupo.
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Peco e Thanatos andavam calmamente, sem pressa, não tinham hora para chegar, nem destino certo, apenas andavam. Sem entrar na Grande Floresta eles seguiam pela praia sempre em direção ao oeste.

Passavam por lugares nunca antes visto pelo homem, caminhando ao lado do mar de águas mornas e cristalinas. Viram monstros que ninguém nunca viu, alguns selvagens outros não. Thanatos sempre se surpreendia, cada dia que passava era como se sua vida mudasse, seus conceitos sobre os monstros também, tudo o que tinha aprendido sobre a maldade dos monstros estava á prova.

Depois de dias de caminhada ele se depara com uma criatura singular, era um humanóide de pedra, tinha cerca de 3 metros de altura, mas era completamente inofensivo, por vezes era possível vê-los admirando o mar ou alguma outra coisa bela, por mais perigoso que aparentasse era apenas aparência. Por outro lado, existia uma ave naquele mesmo local, era pequena e não voava, parecia fraca e indefesa, mas assim que encontrou com os dois amigos partiu para o ataque, atacou com todos as forças, com raiva e fúria, mas mesmo seu mais forte ataque não conseguia sequer arranhar a armadura do templário, Thanatos apenas ignorou a criatura e seguiu seu rumo sem interferir com ninguém, depois de um tempo a pequena ave se cansou e fugiu.

— Peco, O mundo é grande, tão grande... Quanta coisa já vimos, presenciamos... Leões-Cobra, mulheres-águia, grifos! Será que um dia a humanidade vai descobrir tudo isso? Os homens vão colonizar essas terras também? Quando eu estava com eles, não sei... Nunca pensei que existiria algo assim, parecia que o mundo todo estava entre minha casa e Prontera, Glast Heim, Geffenia... Mas olha só em nossa volta! Tanta vida e belezas... E não acaba! Todo dia encontramos coisas novas. Vamos seguir nossa jornada amigo, quem sabe o que nos espera atrás daquelas montanhas. - No horizonte já se podia ver claramente uma montanha negra, de rochas escuras como a noite. Eles acamparam em uma gruta ainda naquele dia, aos pés da montanha.

— Sabe amigo, não sei o que seria de mim sem você agora. Acho que teria ficado louco. - Diz o templário acendendo uma fogueira.

Peco se surpreende com a declaração de Thanatos, apenas escuta do lado da fogueira improvisada que Thanatos havia feito com os poucos galhos secos que encontraram no meio do caminho.

— Eu tento esconder... Mas às vezes não consigo... É tão... Difícil Peco. - Thanatos se encolhe perto da parede, chora em silêncio, Peco seu fiel amigo inseparável fica do lado dele, imóvel.

O templário abraça o corpo do amigo e se deixa levar pela tristeza que sentia, nenhum dos dois conseguiu dormir aquela noite. Noite sem lua, sem ruídos, como se todos os monstros e até o vento e a lua se recolhessem para não vê-lo chorar, apenas Peco, só ele continuava do lado de Thanatos, imóvel, a única coisa que podia fazer era orar para os deuses e acreditar que eles também ouvissem os monstros.